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Revista M&T - Ed.213 - Junho 2017
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Saneamento

Para entrar no século 21

Setor conta com tecnologias e potencial para expansão, mas especialistas alertam para a falta de planejamento e regulação, que poderiam fazer com que os investimentos finalmente deslanchassem no país
Por Caio Martins

Face à intermitência dos investimentos, à morosidade no avanço dos serviços e aos diversos entraves institucionais, o setor de saneamento é chamado pelos seus próprios dirigentes de “o patinho feio da infraestrutura”. De fato, uma década após a promulgação da Lei de Saneamento (11.445/2007), a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (ABES) divulgou um levantamento, feito com base na mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-2015), que aponta para uma tímida expansão do abastecimento de água e da coleta de esgoto desde 2008.

Os números mostram que a rede de água cresceu apenas 1,5% e incorporou 10 milhões de residências no período, enquanto o esgotamento sanitário avançou 6%, com o atendimento de 10 milhões de residências. O detalhe é a persistência na disparidade regional dos serviços: a melhora dos indicadores só foi possível porque a Região Sudeste liderou a criação de ramais, com 4 milhões e 4,5 milhões de novas ligações, respectivamente.

Em pleno século 21, o número de pessoas no país que não consome água tratada chega a 34 milhões, ou 17% da população, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), ligado ao Ministério das Cidades. Quando o assunto é esgoto, a situação é pior, já que a rede coletora não atende sequer metade da população (42%), o que significa que 86 milhões de brasileiros convivem com os próprios esgotos ou – no melhor cenário – usam soluções como fossas sépticas e sumidouros. O real drama ambiental, porém, está no baixíssimo índice de tratamento de esgoto que, de acordo com o SNIS, abrange apenas 40,8% dos efluentes.

Como se não bastasse constatar que os serviços são incapazes até mesmo de auxiliar no combate a epidemias, o “patinho feio” também exibe razões financeiras que justificam a alcunha. A CNI apresentou um levantamento, relativo ao período 2001-2014, discriminando os investimentos totais desembolsados em cada uma das áreas da infraestrutura. O saneamento aparece em último lugar, com apenas 8,9% da soma geral de R$ 967 bilhões, o equivalente a R$ 86,1 bilhões – o segundo setor menos contemplado, a área de telecomunicações, abocanhou uma fatia de 25,6%.

SOLUÇÕES

Tendo em vista tal conjun


Face à intermitência dos investimentos, à morosidade no avanço dos serviços e aos diversos entraves institucionais, o setor de saneamento é chamado pelos seus próprios dirigentes de “o patinho feio da infraestrutura”. De fato, uma década após a promulgação da Lei de Saneamento (11.445/2007), a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (ABES) divulgou um levantamento, feito com base na mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-2015), que aponta para uma tímida expansão do abastecimento de água e da coleta de esgoto desde 2008.

Os números mostram que a rede de água cresceu apenas 1,5% e incorporou 10 milhões de residências no período, enquanto o esgotamento sanitário avançou 6%, com o atendimento de 10 milhões de residências. O detalhe é a persistência na disparidade regional dos serviços: a melhora dos indicadores só foi possível porque a Região Sudeste liderou a criação de ramais, com 4 milhões e 4,5 milhões de novas ligações, respectivamente.

Em pleno século 21, o número de pessoas no país que não consome água tratada chega a 34 milhões, ou 17% da população, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), ligado ao Ministério das Cidades. Quando o assunto é esgoto, a situação é pior, já que a rede coletora não atende sequer metade da população (42%), o que significa que 86 milhões de brasileiros convivem com os próprios esgotos ou – no melhor cenário – usam soluções como fossas sépticas e sumidouros. O real drama ambiental, porém, está no baixíssimo índice de tratamento de esgoto que, de acordo com o SNIS, abrange apenas 40,8% dos efluentes.

Como se não bastasse constatar que os serviços são incapazes até mesmo de auxiliar no combate a epidemias, o “patinho feio” também exibe razões financeiras que justificam a alcunha. A CNI apresentou um levantamento, relativo ao período 2001-2014, discriminando os investimentos totais desembolsados em cada uma das áreas da infraestrutura. O saneamento aparece em último lugar, com apenas 8,9% da soma geral de R$ 967 bilhões, o equivalente a R$ 86,1 bilhões – o segundo setor menos contemplado, a área de telecomunicações, abocanhou uma fatia de 25,6%.

SOLUÇÕES

Tendo em vista tal conjuntura, soluções que reduzam custos de Capex/Opex são mais que bem-vindas. A multinacional Nordic Water, por exemplo, comercializa unidades compactas modularizadas que, segundo Gilson Cassini, diretor comercial da empresa para o Brasil, reduzem em 1/3 o tempo de instalação de uma ETE e de 30% a 50% o volume de investimento inicial. “Com o método de construção civil, é possível investir em duas linhas de tratamento, uma em operação e outra em stand by, concebidas para atender à demanda projetada para os próximos 20 anos”, explica. “E hoje, temos diversas estações que funcionam há 20 anos com 70% de sua capacidade, seja porque a população não cresceu como o previsto ou porque não se investiu o suficiente na rede coletora.”

Diferentemente do método de construção civil, essas estações utilizam módulos de aço inoxidável instalados por suporte, que podem suprir deficiências até mesmo dentro de estruturas pré-existentes. A ideia é conceber a ETE como um ativo que pode ser manejado. “As duas estações compactas são planejadas para os próximos dez anos, usando módulos maiores e com a possibilidade de instalar unidades em regiões distintas”, comenta Cassini. “Ao mesmo tempo, faz-se o monitoramento do crescimento da população no período para planejar adequações.”

Responsável por 50% dos custos envolvidos no processo de tratamento de efluentes, o consumo de energia é um ponto vital para tecnologias de otimização da planta. A Hemir, de Israel, patenteou um software que controla as condições do reator biológico. Uma malha de controle mantém os parâmetros e otimiza as ações dos microrganismos responsáveis pela redução da carga orgânica, o que significa que é possível adequar os níveis de oxigênio dissolvido, as demandas químico-biológicas de oxigênio, pH, temperatura e nutrientes para atender aos padrões de descarte ou de água de reúso definidos pelo cliente. “Somente o controle dos sopradores, que envia ao reator apenas o ar necessário para as condições ótimas do processo, representa uma economia de 15%”, ressalta a companhia.

ÁGUA PELO RALO

Inevitavelmente, a alavancagem de recursos também passa pelo aumento da eficiência dos sistemas hidráulicos. Em média, segundo o SNIS, o Brasil desperdiça aproximadamente 37% de toda a água distribuída, percentual que equivale a 5,8 trilhões de litros. A situação é particularmente difícil no Norte do país, onde, de acordo com estudo da GO Associados, o índice de perdas supera 60%. Pelo conceito, esta fração compreende não apenas o que é perdido em vazamentos na rede (as chamadas perdas físicas), mas também o volume que as empresas não conseguem cobrar, tanto por submedição como por ligações irregulares.

De acordo com Cassini, que também preside o Sindesam (Sistema Nacional das Indústrias de Equipamentos para Saneamento Básico e Ambiental), órgão da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), o combate à perda de água no sistema por meio de um choque de gestão seria providencial. “Se essas perdas fossem reduzidas para 15%, teríamos um incremento anual de R$ 35 bilhões para investimento em saneamento”, estima.

Levantamento feito pela International Benchmarking Network for Water and Sanitation Utilities (IBNET) revela que o desperdício de água no Brasil é crítico mesmo em comparação com outros países emergentes, como Vietnã (31%), México (24%) e China (22%). O país com as menores perdas dentre os 43 pesquisados é a Austrália, com 7%.

Uma das soluções mais consolidadas na prevenção dos pequenos vazamentos – vilão nº1 das perdas físicas – é a implantação de projetos de setorização de redes, ou seja: a compartimentação da rede de água em setores que, por meio de válvulas de regulagem de pressão (VRP’s), contam com uma pressão hidráulica ajustada para adequá-la às condições de resistência de materiais.

Além de prevenir vazamentos, o sistema permite que a água circule por grandes extensões ou topografias acidentadas, com riscos mínimos de danos à tubulação. Seus benefícios não se restringem ao controle de perdas, explica Márcio Leite, gerente comercial da Bermad, fornecedora de válvulas certificada pela Sabesp. “Ao controlar as perdas, reduz-se o uso de energia, pois se bombeia menos e, consequentemente, não é necessário tratar tanta água, o que implica em queda no investimento em química”, elucida.

Consultor da Valloy, empresa de válvulas de controle adquirida pela Bermad em 2012, Fernando Pio explica que, nos últimos anos, o faturamento da empresa tem sido impulsionado não tanto por projetos de setorização, mas sim pelos grandes empreendimentos de transposição de mananciais. “Com projetos como o [das represas] Jaguari-Atibainha, a Sabesp pode equilibrar seus sistemas”, afirma. “É algo gigantesco, que emprega válvulas de retenção que são as maiores que já fabricamos – e até hoje estão entre as maiores do Brasil, com 1.600 milímetros de diâmetro.”

GARGALO

A busca de novas fontes de captação como resposta imediata para o perigo do desabastecimento pode ter ofuscado o investimento em tecnologia e gestão como soluções de longo prazo para aumento do desempenho dos serviços e para a sustentabilidade financeira do saneamento visando à universalização. Porém, é a falta de planejamento e preparo técnico em nível municipal que constituem um dos maiores entraves do setor. “Não é porque vendeu um conjunto de válvulas que você vai fazer a setorização. Trata-se de um projeto que requer estudos hidráulicos, além de envolver dinheiro”, problematiza o executivo da Valloy.

Há ainda outros fatores. Um dos principais instrumentos da Lei do Saneamento para incentivo à universalização é a exigência da elaboração dos Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB). Em pesquisa de 2013 feita com as 100 maiores cidades, o Instituto Trata Brasil (ITB) revelou que 34 ainda não tinham um plano. Com este elemento jurídico, as prefeituras fazem o diagnóstico de todos os componentes do saneamento, incluindo também drenagem urbana e resíduos sólidos, traçando metas para a universalização dos serviços desde que acompanhadas por um estudo de viabilidade econômico-financeira.

A 11.445 também exige que o PMSB cumpra várias exigências de transparência, como participação social em sua elaboração e equipagem de uma agência reguladora. A mesma pesquisa mostra que só 12 das 100 maiores cidades atendiam a todos esses pontos, sendo que 44 não contavam sequer com regulação. Com tantos pontos de interrogação, o resultado é a falta de demanda para projetos no setor, gerando uma ociosidade que afeta toda a cadeia de produtos e serviços ligados ao setor. “Ninguém desenvolve competitividade sem escala”, avalia Cassini. “Enquanto no Brasil se fabricam 100 peneiras, uma única empresa na Europa fabrica mil.”

Todavia, o especialista destaca que o mercado nacional de equipamentos para saneamento básico é capaz de oferecer 90% das soluções encontradas nos países mais desenvolvidos. Porém, ele considera que a Lei de Licitações, que favorece o menor preço, é um desestímulo ao desenvolvimento desse filão e à elevação dos padrões de qualidade na prestação de serviços públicos. “Não estamos falando de commodities, estamos falando de pregões eletrônicos que envolvem bens de capital e não exigem qualificação”, observa. “Você não sabe qual a idoneidade daquele pregão. Os preços vão baixando até o ponto em que você comeu sua margem. Várias das coisas que poderiam render retorno de investimento tiveram de ser descartadas.”

TRATAMENTO

A recente crise hídrica também representou novos desafios para o setor de saneamento em termos de soluções tecnológicas. A maior escassez na vazão dos rios e mananciais ocasionou uma piora na qualidade da água bruta, o que gera a necessidade de se fazer repotencializações nas ETA’s para se eliminar sólidos e impurezas que os sistemas vigentes não estavam preparados para receber.

Para Audri Lanza, consultora da Ecosan, os operadores estão ao menos 20 anos atrasados quanto ao tratamento de água. Técnicas de ponta como a ultrafiltração por membranas, afirma Lanza, estão fora da realidade financeira do setor público. “A maioria das empresas de saneamento ainda usa filtros de areia e carvão, ou seja, tecnologias dos anos 1980”, observa. “O tratamento por cloração e filtração gera sub-produtos tóxicos como trihalometanos e cloramina e não garante a remoção total de vírus e bactérias.”

Da mesma forma, a redução das outorgas por parte dos órgãos ambientais levou as grandes indústrias que captam água bruta a procurar alternativas. “Quem jogava água usada fora, mesmo dentro dos padrões do rio, não vai mais jogar”, afirma Cassini. “As empresas devem aprender a fazer uma recirculação dessa água dentro dos seus processos, fazendo reúso.”

Player de destaque neste mercado, a Veolia percebeu a necessidade de apresentar soluções às indústrias para evitar que suas demandas concorressem com as da população em geral. “Polos como o de Pecem, em Fortaleza, sofrem com falta de água porque ela tem de ser redirecionada para Fortaleza”, relata o gerente de desenvolvimento de serviços móveis da Veolia, Carlos Pasqualini. “Então, nós alugamos uma estação que trafega em cima de uma carreta, com capacidade para fazer reúso de 300 m³/h de água.”

Para entregar o máximo de valor ao cliente, o segredo do negócio, segundo Pasqualini, é tratar o efluente na medida em que ele é gerado, de modo a produzir água de diferentes qualidades e utilidades. “A água de final de processo apresenta vários tipos de contaminantes”, diz. “Mas já temos tecnologia disponível para que se consiga reutilizar parte da água que está sendo descartada no meio do processo.”

INICIATIVA PRIVADA PODE AVANÇAR NO SETOR

No início de março, o governo federal anunciou o ingresso de companhias públicas de 15 estados na cartela de projetos do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI). A autorização para concessão dos serviços e o formato a ser adotado ficam atrelados às resoluções das respectivas Assembleias Legislativas. Em fevereiro, o BNDES já acenara com a realização de pregões eletrônicos para licitação de projetos privados de água e esgoto para seis estados (AP, AL, PA, PE e SE). Segundo Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil (ITB), as PPP’s constituem em uma estratégia “para trazer novos recursos e, assim, promover investimentos maiores e buscar mais eficiência”. “Não é uma regra, mas é um dos movimentos que estão acontecendo no país para alavancar a expansão dos serviços”, explica.

Atualmente, as companhias estaduais de saneamento são responsáveis pelo atendimento de 70% dos municípios no país. Já o setor privado detém 258 contratos que atendem a 316 municípios, ou 5% do total, de acordo com dados da Abcon (Associação das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto). Ainda segundo a entidade, o setor deve investir R$ 12,57 bilhões até 2019. Essa cifra pode receber um acréscimo de até R$ 35 bilhões, caso pelo menos 13 das 15 empresas da cartela do PPI forem arrematadas com privatização total dos ativos, como aponta estudo do BTG Pactual. No entanto, analistas como Pedro Scazufca, sócio da GO Associados, não esperam por um boom de concessões, mas diz ser “natural que o [setor] privado viva um crescimento em um futuro próximo.”

O consultor acredita que assistiremos a uma renovação no perfil dos players deste mercado, citando como exemplo o ingresso no cenário de uma gestora de fundos, a canadense Brookfield, que adquiriu o controle da Odebrecht Ambiental.

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