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Revista M&T - Ed.190 - Maio 2015
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Entrevista

"O Brasil não vai quebrar"

Entrevista com o economista Antônio Delfim Netto

O economista Antônio Delfim Netto é daquelas personalidades públicas respeitadas por onde passa. Professor da FEA/USP, o ex-ministro e ex-deputado federal pode despertar raiva ou admiração, mas nunca indiferença. Aos 85 anos de idade, ele despensa apresentações detalhadas de suas extensas atividades dentro e fora do governo. Assumiu o Ministério da Fazenda em 1967, aos 39 anos, e ainda comandaria a pasta de Agricultura, em 1979, e a de Planejamento, de 1979 a 1985. Esteve à frente da fase mais longa e de maior crescimento da economia brasileira, mas ficou marcado na História como o homem que deu um choque no câmbio e congelou salários. Hoje, segue influente por suas ideias, tornando-se para muitos empresários uma espécie de guru com suas análises cortantes em relação ao governo e ao mercado.

Sobre a conjuntura atual, por exemplo, o eminente economista crava que o atual time de ministros – com Joaquim Levy na Fazenda, Katia Abreu na Agricultura, Nelson Barbosa no Planejamento e Armando Monteiro à frente do MDIC – conduzirá com tranquilidade o processo de ajustes para a volta do crescimento econômico. “No máximo, em 15 meses o Brasil volta a crescer e os investimentos em infraestrutura aos poucos também voltarão a acontecer”, frisa o economista. Nesta entrevista exclusiva à M&T, realizada em seu escritório em São Paulo, Delfim Netto avalia em detalhes a estratégia do governo para superar a crise e recolocar o país nos eixos. “Não temos competência para destruir o Brasil”, dispara. Acompanhe.

M&T – Como avalia o atual momento do Brasil?

Delfim Netto – É um momento delicado, mas não estamos à beira do apocalipse. Em 2014, produzimos um grande desequilíbrio fiscal. Se olharmos para dezembro de 2013, veremos que não tínhamos nenhum desequilíbrio importante e as coisas estavam mais organizadas. E como o governo precisa fazer revisões de receita e despesas a cada dois meses, durante esse período nunca reconheceu que o crescimento seria muito baixo. Ou seja, a Dilma provocou um desarranjo fiscal para se reeleger. Por isso, não fez as correções e nem controlou as despesas que, obviamente, iriam crescer em ano eleitoral. Assim, o ano encerrou com déficit fiscal de 6,7%, um número muito alt


O economista Antônio Delfim Netto é daquelas personalidades públicas respeitadas por onde passa. Professor da FEA/USP, o ex-ministro e ex-deputado federal pode despertar raiva ou admiração, mas nunca indiferença. Aos 85 anos de idade, ele despensa apresentações detalhadas de suas extensas atividades dentro e fora do governo. Assumiu o Ministério da Fazenda em 1967, aos 39 anos, e ainda comandaria a pasta de Agricultura, em 1979, e a de Planejamento, de 1979 a 1985. Esteve à frente da fase mais longa e de maior crescimento da economia brasileira, mas ficou marcado na História como o homem que deu um choque no câmbio e congelou salários. Hoje, segue influente por suas ideias, tornando-se para muitos empresários uma espécie de guru com suas análises cortantes em relação ao governo e ao mercado.

Sobre a conjuntura atual, por exemplo, o eminente economista crava que o atual time de ministros – com Joaquim Levy na Fazenda, Katia Abreu na Agricultura, Nelson Barbosa no Planejamento e Armando Monteiro à frente do MDIC – conduzirá com tranquilidade o processo de ajustes para a volta do crescimento econômico. “No máximo, em 15 meses o Brasil volta a crescer e os investimentos em infraestrutura aos poucos também voltarão a acontecer”, frisa o economista. Nesta entrevista exclusiva à M&T, realizada em seu escritório em São Paulo, Delfim Netto avalia em detalhes a estratégia do governo para superar a crise e recolocar o país nos eixos. “Não temos competência para destruir o Brasil”, dispara. Acompanhe.

M&T – Como avalia o atual momento do Brasil?

Delfim Netto – É um momento delicado, mas não estamos à beira do apocalipse. Em 2014, produzimos um grande desequilíbrio fiscal. Se olharmos para dezembro de 2013, veremos que não tínhamos nenhum desequilíbrio importante e as coisas estavam mais organizadas. E como o governo precisa fazer revisões de receita e despesas a cada dois meses, durante esse período nunca reconheceu que o crescimento seria muito baixo. Ou seja, a Dilma provocou um desarranjo fiscal para se reeleger. Por isso, não fez as correções e nem controlou as despesas que, obviamente, iriam crescer em ano eleitoral. Assim, o ano encerrou com déficit fiscal de 6,7%, um número muito alto. Além de déficit primário de 0,6%, o que só ocorreu no primeiro ano de governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, quando o Brasil quebrou e teve de recorrer ao FMI. Com isto, criou-se um estado de apreensão muito grande nos mercados. Mas o crescimento não diminuiu por conta disso, mas porque não conseguimos estimular a volta da produção industrial.

M&T – Como esses erros poderiam ter sido evitados?

Delfim Netto – O problema de receita e despesa no Brasil é coisa muito antiga. Quando D. Pedro II tomou posse com 14 anos (e disseram que tinha 18), ele prometeu que iria controlar as despesas. Ou seja, nos últimos 170 anos o Brasil está permanentemente controlando as despesas. Mas de crise fiscal em crise fiscal chegamos a ser a 6º economia do mundo e conseguimos dois feitos fantásticos: a estabilidade monetária no governo FHC e o pagamento da dívida externa no governo Lula, que vinha desde a era de D. Pedro I.

M&T – O governo Dilma vive seu pior momento?

Delfim Netto – Não temos competência para destruir o Brasil, podemos ficar tranquilos. A presidente Dilma foi reeleita provavelmente por conta do desequilíbrio fiscal que ela produziu. Houve um exagero. Mas isto sempre acontece em ano eleitoral. Por outro lado, a presidente teve a coragem de fazer uma mudança muito profunda na sua administração. Eu diria que uma mudança de 180 graus, estimulando o ministro da fazenda Joaquim Levy a conduzir o plano de ajuste, mas ele não está sozinho. O ajuste é só uma passagem para a volta do crescimento, e não o fim em si.

M&T – Quais são os pontos fortes dessa mudança?

Delfim Netto – Acredito que temos quatro pessoas que promoverão os ajustes necessários para a volta do crescimento. O ministro da fazenda, Joaquim Levy, já começou a fazer ajustes importantes. O ministro do planejamento, Nelson Barbosa, já anunciou novas concessões dos serviços públicos e, portanto, o governo voltará a investir em infraestrutura. Temos também a ministra da agricultura, Kátia Abreu, que tem apresentado resultados muito interessantes. Aliás, uma das características do governo Dilma são os planos de safras cada vez melhores. Por fim, há o ministro Armando Monteiro, ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria e que agora está à frente do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior). Empresário competente, ele compreendeu que a exportação é decisiva para o Brasil e que a correção cambial vai dar um “refresco” para a indústria, na substituição das importações. Na minha opinião, esse time é muito competente.

M&T – A persistir a política de ajustes, será possível voltar a crescer?

Delfim Netto – Seguramente, sim. Se acrescentar uma política industrial que atenda ao aumento da produtividade, em quatorze meses certamente haverá uma recuperação das exportações industriais e a volta do crescimento. Há um exagero muito grande [em dizer] que o Brasil está destruído. Esse esforço na área econômica foi um movimento muito astuto na área política.

M&T – Mas já não houve equívocos?

Delfim Netto – Erramos iguais aos outros. Tudo bem, poderíamos estar muito melhor, mas o que interessa são os objetivos. Em 2014, o que deu errado foi o governo permitir o desarranjo fiscal. Mas, em minha opinião, a correção está na direção certa. O importante é convencer a sociedade de que o ajuste é só uma passagem. Como disse, o ajuste não é o fim, mas o começo da volta ao crescimento. E, para isto, a presidente Dilma está muito bem servida.

M&T – Afinal, a presidente enfrenta dificuldades para governar?

Delfim Netto – A maior dificuldade – e um equívoco completo – foi a eleição do presidente da câmara, Eduardo Cunha, na qual foi possível perceber uma mudança do comportamento do Poder Legislativo. Como se, de repente, todos acordassem de um sonho letárgico em que obedeciam ao Poder Executivo. Hoje, a câmara recuperou a sua independência, o que é fundamental ao processo democrático. Não há qualquer razão para se imaginar que, ao exercer seu papel de legislar, o Congresso atrapalhe o governo. Agora, se as pessoas dizem que não querem que a Dilma corrija, então deveriam ter votado de outra maneira.

M&T – O governo evita medidas antipopulares?

Delfim Netto – Até agora, nada que retire direitos dos trabalhadores foi aprovado. Essas medidas poderiam corrigir abusos aprovados indevidamente em governos anteriores. O que acontece é que o PT, que há tempos tem o bônus de estar no governo, não quer o ônus. O partido foi beneficiado pelo desarranjo fiscal, por exemplo, mas não quer corrigir isso. Agora, os oportunistas dizem que não querem ficar no partido, que está afundando. Mas não é uma reação de ordem moral e ideológica, pois o ajuste é necessário.

M&T – A terceirização é boa para o Brasil?

Delfim Netto – É falso dizer que a terceirização vai destruir o direito dos trabalhadores. Esse projeto é perfeitamente razoável e dará maior segurança a 14 milhões de trabalhadores terceirizados. O grosso das objeções é falso, pois pressupõe que os empresários são verdadeiros idiotas, que vão dispensar pessoas para pegar de novo. Esquecem o verdadeiro objeto. Ademais, são contra porque a CUT vai ter uma redução na sua grana. Também há uma ingenuidade no julgamento. Não se consegue transmitir as coisas como elas são verdadeiramente.

M&T – Qual é a potencialidade do país em receber investimentos?

Delfim Netto – O Brasil tem projetos extraordinários, com magníficas taxas de retorno e geração de caixa com rapidez. Basta acertar a parte fiscal, que é uma ameaça ao grau de investimento. Com as medidas anunciadas, o Brasil voltará a crescer entre 3% e 4%. Não será amanhã, mas em 12 ou 14 meses. A recuperação da indústria é perfeitamente possível. Houve um equívoco, que está sendo corrigido.

M&T – Até quando o dólar se manterá valorizado frente ao real?

Delfim Netto – É difícil precisar isso. O câmbio no lugar certo é fundamental. O real foi estupidamente valorizado para combater a inflação. Mas não combateu, como ainda destruiu a indústria. Qual é o câmbio certo? Ninguém sabe, pois depende da oferta e da procura. É como querer saber o preço certo do feijão ou do petróleo. Quando você não tem liberdade de movimento de capitais, o câmbio é um preço relativo. Quando ocorre essa liberdade, torna-se um ativo financeiro. É impossível arriscar e estabelecer o ponto de equilíbrio. A gente sabe quando está fora do lugar por causa das consequências. Se destrói a indústria, logo está fora do lugar.

M&T – Por que a reforma fiscal não sai?

Delfim Netto – A proposta do ministro Levy no Confaz é bastante razoável. Se houver um fundo de equilíbrio regional ela vai sair, inclusive a reforma do ICMS, que será muito boa. Temos de reconhecer o que já foi feito. Não adianta imaginar que vai conseguir tirar uma fábrica de Goiás depois de instalada. Ela vai gozar dos benefícios que conquistou até o final, mas quando terminar, o governo vai dizer: terminou. Nenhum benefício adicional será feito. E tem cabimento? Quando eu fizer 4% na origem e transferir os recursos no destino, a reforma será correta. O justo é no destino. O que não é justo é o Estado transferir os seus custos.

M&T – O governo conseguirá segurar a inflação?

Delfim Netto – As contas públicas já estão nos eixos. Em relação à inflação, estão sendo absorvidos os controles quantitativos feitos equivocadamente. Durante muito tempo foi fornecida gasolina de graça, por exemplo. Daqui pra frente terá de pagar, pois não existe transporte grátis.

M&T – Alguns setores da indústria receberam muitos estímulos nos últimos anos. Isso deve se manter?

Delfim Netto – O governo estimulou a criação de um parque produtor muito superior ao que o Brasil poderia absorver, sem obter ganhos de produtividade como foi prometido. Não há solução para a indústria automobilista, por exemplo, a não ser que volte a exportar 1,5 milhão de veículos. Do contrário, 40% desse parque fabril instalado no Brasil vai quebrar, simplesmente porque não há demanda para isso. Ou seja, foi instalada uma capacidade produtiva superior à capacidade interna e à capacidade de exportar.

M&T – Qual é o cenário para os próximos meses?

Delfim Netto – O Brasil vai recuperar a estabilidade fiscal e avançar na questão política. Como eu disse antes, não temos competência para quebrar o Brasil. É bobagem acreditar nisso. A retomada do crescimento deve ocorrer em, no máximo, 14 meses. Já a antecipação dos investimentos poderá ocorrer num prazo bem mais curto.

M&T – Por que é tão difícil mudar o país?

Delfim Netto – Fazer as coisas é sempre difícil. O papel aceita tudo. É o lápis contra o papel. Para fazer mesmo é preciso antes convencer as pessoas. E gente é um bicho muito complicado...

 

 

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