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Revista M&T - Ed.236 - Agosto 2019
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Cenário

Mudança de modelo

Com quedas seguidas no estoque em relação ao PIB, a infraestrutura brasileira ensaia uma retomada com o anúncio de novos projetos e prioridades, mas inúmeros desafios ainda estão pelo caminho
Por Marcelo Januário (Editor)

Em um mercado global cada vez mais competitivo, nenhum país pode se dar ao luxo de tratar a infraestrutura como um mero detalhe, pois o crescimento econômico é uma variável direta do investimento feito nesta área, fato corroborado por inúmeros estudos teóricos dos mais diversos matizes. Mas é exatamente a partir deste ponto que o Brasil deixa de ser competitivo e, como consequência, marca passo em termos econômicos.

“Sem dúvida, a infraestrutura gera crescimento, mas ainda temos gargalos profundos que travam o nosso desenvolvimento”, endossa Diogo Mac Cord de Faria, secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia.

Segundo ele, a qualidade da infraestrutura brasileira não é nada boa e, na verdade, só tem piorado, caindo do 78o para o 83o lugar em 2018, segundo o ranking do WEF (World Economic Forum), ocupando atualmente a lanterna entre os BRICs. “Não temos igualdade de condições”, lamenta-se o secretário, dando exemplos irrefutáveis. “No Brasil, o custo logístico em relação ao PIB é 60% superior ao dos EUA, assim como o custo de energia.”

No que se refere aos investimentos, a situação é ainda mais dramática. Entre 2017 e 2018, o país viveu os piores anos da sua história, quando investiu apenas 1,7% do PIB na área, índice insuficiente até mesmo para compensar a depreciação dos ativos. Com isso, o estoque de infraestrutura – hoje em 36% do PIB – vem caindo nos últimos anos. Para sair do xeque em que se encontra e chegar a algo como 61% do PIB até 2040, atingindo assim níveis internacionais, o país deve começar a se mexer.

Para tanto, o Brasil se vê impelido a adotar um novo modelo de desenvolvimento, elaborando fórmulas regulatórias


Em um mercado global cada vez mais competitivo, nenhum país pode se dar ao luxo de tratar a infraestrutura como um mero detalhe, pois o crescimento econômico é uma variável direta do investimento feito nesta área, fato corroborado por inúmeros estudos teóricos dos mais diversos matizes. Mas é exatamente a partir deste ponto que o Brasil deixa de ser competitivo e, como consequência, marca passo em termos econômicos.

“Sem dúvida, a infraestrutura gera crescimento, mas ainda temos gargalos profundos que travam o nosso desenvolvimento”, endossa Diogo Mac Cord de Faria, secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia.

Segundo ele, a qualidade da infraestrutura brasileira não é nada boa e, na verdade, só tem piorado, caindo do 78o para o 83o lugar em 2018, segundo o ranking do WEF (World Economic Forum), ocupando atualmente a lanterna entre os BRICs. “Não temos igualdade de condições”, lamenta-se o secretário, dando exemplos irrefutáveis. “No Brasil, o custo logístico em relação ao PIB é 60% superior ao dos EUA, assim como o custo de energia.”

Entre 2017 e 2018, o país viveu seu ponto mais baixo de investimentos em infraestrutura

No que se refere aos investimentos, a situação é ainda mais dramática. Entre 2017 e 2018, o país viveu os piores anos da sua história, quando investiu apenas 1,7% do PIB na área, índice insuficiente até mesmo para compensar a depreciação dos ativos. Com isso, o estoque de infraestrutura – hoje em 36% do PIB – vem caindo nos últimos anos. Para sair do xeque em que se encontra e chegar a algo como 61% do PIB até 2040, atingindo assim níveis internacionais, o país deve começar a se mexer.

Para tanto, o Brasil se vê impelido a adotar um novo modelo de desenvolvimento, elaborando fórmulas regulatórias a toque de caixa para atrair investimentos privados internacionais. Isso é urgente, só que ainda não foi feito. “O modelo baseado em investimentos públicos precisa migrar para o privado, mas ainda não se construiu essa ponte”, reconhece Mac Cord. “O investidor quer entrar, mas não consegue.”

Para mudar isso, delineia o secretário, é preciso reformar os marcos legais, liberalizando o setor, além de superar certa “inércia” na elaboração de projetos. “A tarefa agora é reduzir a necessidade de o governo produzir projetos”, diz. “Em alguns setores ainda precisa, mas no que resta, bastam velocidade e qualidade.”

CHOQUE

Segundo ele, o novo ciclo de concessões irá privilegiar a melhor técnica nos contratos, e não preço, além de criar uma seleção de carteira para gerar emprego “depois” que o ativo fique pronto. “Um projeto de engenharia não é soja a granel, precisa contratar projetos que devolvam uma qualidade grande, esse sim é o avanço estrutural que precisamos perseguir”, afirma o secretário, citando que 1/3 das obras do PAC está paralisado por problemas de projeto. “Os projetos custam 1% do Capex. Se economizar 70% desse 1%, além de não fazer a menor diferença, ainda compromete o restante. Por isso a qualidade é tão importante.”

Projetos de qualidade é o avanço estrutural que o país precisa perseguir, afirma secretário

O secretário fala de um “choque de investimentos”, na faixa entre 120 e 300 bilhões de reais até 2022, o que elevaria o percentual de aportes em infraestrutura de 1,7% para 3,8% do PIB. Além de garantir dez posições no ranking de infraestrutura do WEF, isso poderia gerar 2 milhões de empregos conjunturais adicionais durante a execução do projeto. “O PIB pode chegar a +3,5% até 2029, contra 2,1% sem o choque de investimento”, calcula Mac Cord.

A estratégia passa necessariamente por três pilares: redução da participação do governo, remodelagem regulatória e planejamento de longo prazo. “Isso reconfigura o mercado de uma maneira que o investidor privado entre sem ter de competir de uma maneira predatória com o setor público”, destaca o secretário, projetando uma maior uniformidade entre os setores da infraestrutura, com visão integrada de projetos para 30 anos. “A seleção de carteira precisa elencar prioridades de acordo com o retorno esperado”, aponta. “Por isso, vamos estudar mais projetos do que a capacidade de realizar, para não sermos obrigados a botar projeto ruim na praça.”

Pelo cronograma do Ministério, os projetos serão iniciados já no próximo ano, quando haverá licitações em massa, para que as obras finalmente comecem em 2021. “Esse é o tamanho do problema, precisamos ser realistas”, resigna-se Mac Cord. “Não é de uma hora para outra.”

De fato. Além de requerer confiabilidade dos projetos, credibilidade e previsibilidade, o processo licitatório envolve várias instituições públicas atuando simultaneamente, o que constitui outro fator de morosidade. “Surpreende quando dá certo”, cutuca Fábio Carvalho, diretor do Departamento de Estruturação e Articulação de Parcerias (DEAP), ligado ao Ministério de Infraestrutura. “Mas temos uma lógica de infraestrutura e, com isso, haverá demanda para maquinários, ao menos é o que a gente espera.”

Muitas vezes, são necessários vários anos até se chegar à assinatura dos contratos, passando pela identificação de marcos legais, estudos, audiências, aprovação do tribunal de contas, publicação do edital e, finalmente, o leilão. Nesse quadro, ressalta o diretor, um novo marco também dos estudos é algo prioritário. “Temos uma decisão a tomar como país, a EPL (Empresa de Planejamento e Logística) não é a única responsável, há necessidade de maior agilidade e celeridade”, defende.

PIPELINE

Apostando em “lógicas econômicas”, Carvalho ressalta que o pipeline de projetos até 2022 [veja quadro] constitui uma “carteira desafiadora”, com a malha rodoviária à frente. “O mais desafiador é passar para 16 mil km em rodovias concedidas, mas já temos 7,2 mil km de rodovias federais em estudo”, esclarece. “Mesmo que sejam de pista simples, desoneram o Estado de fazer a manutenção e permitem o escoamento.”

Dentre os trechos em destaque, ele cita a Rodovia BR-364/365/MG/GO (Uberlândia – Jataí), com 437 km e tráfego de 4.400 veículos/dia, cujo leilão está previsto para ocorrer em 18 de setembro, com assinatura ainda neste ano. “Essa rodovia é chave no escoamento da produção agroindustrial do Triângulo Mineiro”, defende Carvalho. “É uma concessão de 30 anos, com valor de saída levado a leilão de 7,02 a tarifa. E já no primeiro ano da concessão terá investimento de 2 bilhões de reais em Capex.”

Outro item relevante é a renovação da Rodovia Presidente Dutra, cujo contrato vence em 2021 e pode ter sua concessão antecipada para 2020. A rodovia recebe 60 mil veículos/dia.

A projeção da FDC: maior equilíbrio na matriz de transporte

“Atualmente, está mal dimensionada e estamos estudando uma nova forma de pedágio com tags, em que se paga pela quilometragem percorrida”, antecipa o diretor, que também cita a BR-101 (em Santa Catarina, prevista para o primeiro trimestre do próximo ano), a BR-153 (ao lado da ferrovia Norte-Sul) e a BR-163 (a “esteira de grãos”, ao lado da Ferrogrão, que deve ter três praças de pedágio e ser pavimentada até o final do ano).

Em aeroportos, o diretor do DEAP vê uma demanda reprimida, mas com complexidade menor. “Fizemos há pouco a 5ª rodada, com contratos já em execução, depois pusemos em estudo a 6ª rodada, com Blocos Norte, Central e Sul, e a 7ª rodada, incluindo Congonhas, Santos Dummont e outros, que será realizada em 2022”, lista Carvalho, lembrando que os estudos para a concessão de Viracopos também já estão em andamento.

O secretário informa ainda que os terminais portuários estão em pleno processo de desestatização. Nesse sentido, Carvalho cita a Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo) e o Porto de São Sebastião, ambos previstos para 2020. Já na malha ferroviária, se sobressaem as renovações antecipadas de concessões como Carajás, Vitória-Minas e FCA (Ferrovia Centro Atlântica). “Mesmo que os contratos sejam ruins, não dá para esperar eles acabarem para pensar em novos modelos”, justifica Carvalho, informando que pode haver troca do valor de outorga por um novo ativo. “É antigo pensar que construção de ferrovia tem de ser serviço público, que tem de reverter para a União.

Por que tem de voltar para o Estado? Faz mais sentido encarar que é uma atividade econômica”, avalia. “Deixa o particular colocar o dinheiro necessário e assumir o risco da operação. E depois fazer jus às remunerações que vêm em decorrência do ativo.”

PROJEÇÃO

Na visão de muitos, isso pode abrir caminho para uma mudança mais profunda, que alargue os horizontes para a infraestrutura nacional. Essa perspectiva, inclusive, já tem sido vislumbrada em números. Pelas projeções da Embrapa Territorial, por exemplo, a conclusão de dez obras prioritárias em logística no país aumentaria a competitividade no agronegócio brasileiro em 35%, a um custo de 30 bilhões de reais. Ou seja, é possível virar o jogo.

No modal rodoviário, Brasil fica atrás até mesmo de países com níveis similares de desenvolvimento

É o que também mostram os estudos elaborados pela Fundação Dom Cabral (FDC). Listada pelo jornal Financial Times entre as 12 melhores escolas de negócios do mundo, há cerca de dois anos a instituição mineira criou uma plataforma de pesquisas estratégicas no setor de infraestrutura logística com foco em transporte.

Apoiada por concessionárias rodoviárias e ferroviárias, a iniciativa propõe-se a antever perspectivas até 2035. Para tanto, foi montada uma base de dados integrada, com informações de diferentes instituições, resultando em uma modelagem virtual da rede viária dos sistemas de transporte brasileiro, mais a demanda prevista, em diferentes cenários no período. “Esse simulador permite obter indicadores de desempenho, identificando gargalos atuais e futuros, ligações faltantes e oportunidades de investimentos nos diferentes modais de transporte”, explica Ramon Victor César, professor da FDC e coautor do projeto.

Utilizando metodologia do HCM (Highway Capacity Manual), o estudo processou dados de mais de 500 zonas de tráfego, analisando origem e destino de fluxos de transporte – além de produção e consumo de mercadorias – em uma rede multimodal de simulação. Ao todo, o projeto rastreou quase 200 mil km de rodovias, 20 mil km de ferrovias, 9 mil km de hidrovias (basicamente na região Amazônica), 7.400 km de operações de cabotagem e 5 mil km de dutos, além de 30 portos.

Segundo o professor, a projeção da matrizes foi expandida até 2035 – quando o volume de cargas (em toneladas úteis, incluindo minério de ferro) subirá de 1,8 bilhão para 2,5 bilhões de TU (+36,5%), enquanto a produção de transporte (medida em toneladas x km) vai de 1,6 trilhão para estimados 2,4 trilhões de TKU (+45 %) – por meio de um modelo teórico desenvolvido pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que incluiu no estudo vetores como produtividade da mão de obra, PIB, PIB per capita e densidade populacional.

CENÁRIOS

Foram então criados três diferentes cenários de desenvolvimento da rede: baixo (investimento zero), moderado (basicamente com o portfólio de projetos do Programa de Parcerias de Investimentos – PPI) e otimizado (portfólio ampliado), sendo previsto um investimento de 300 bilhões de reais no melhor cenário, um montante que – segundo César – “se paga em dez anos, com a redução obtida no custo de transporte”.

No cenário otimizado, as ferrovias e hidrovias captam uma parte do que hoje é transportado por caminhão. Cabe destacar que, do volume transportado em 2015, um percentual de 36% corresponde ao minério de ferro. “Isso mostra o peso extraordinário desta commodity na indústria de transporte, concentrado em ferrovias”, diz o pesquisador.

Considerando o minério, ele explica, há um maior desequilíbrio na matriz. Nesse caso, a divisão modal do mercado de transporte mostra que 56,6% da produção foram movimentados por rodovias, 23,5% por ferrovias, 17,3% na água e 2,6% por dutos [veja gráficos]. No cenário de baixo investimento, em 2035 haveria um inexpressivo avanço em ferrovias e estabilização nos demais, mas com viés de queda. Ou seja, o cenário só se agrava. Já no cenário otimizado, em 2035, a variação percentual das ferrovias seria de +56,2% (indo a 36,7% em participação), enquanto as rodovias reduziriam sua participação em -15,7% (para 47,7%), equilibrando a matriz.

Por outro lado, excluindo-se o minério de ferro, obtém-se maior equilíbrio. O setor rodoviário, que hoje responde por 71,3% da carga sem minério, recuaria para 61,2% (variação de -14,2%) no cenário otimizado, estimulando a transferência para outros modais, como o ferroviário, que passaria dos atuais 7% para 22% da matriz, triplicando sua participação, com uma variação de +192% no período. Já os transportes por água e dutos manteriam o share. “Isso permitiria uma melhor redistribuição em termos de eficiência e redução de custos no sistema”, complementa César.

No modal rodoviário, cujos investimentos estão concentrados no eixo Sudeste/Centro-Oeste, a proposta da FDC é promover melhorias adicionais em 122 mil km, com intervenções adicionais em 20 mil km, que correspondem a 57% do tráfego e 16% da extensão avaliada. “Nos próximos 20 anos, a atuação nesses 500 trechos pode trazer resultados em termos de desempenho nas rodovias brasileiras”, opina o professor.

Em ferrovias, os resultados sugerem uma “intervenção prioritária” nos 20 mil km que compõem a malha ferroviária, modernizando 5 mil km de linhas existentes e construindo cerca de 7 mil km de novas ferrovias, além de se buscar uma maior integração por meio de conexões, como em uma hipotética ligação da Transnordestina com a Norte-Sul. “Dessa maneira, aumentaríamos a demanda, deixando ao operador a tarefa de fazer a adequação da capacidade”, acresce César, destacando que as intervenções em metade da rede ferroviária existente beneficiariam 82% da carga total em TKU transportada no país. “Na verdade, precisamos de uma mudança no padrão de desempenho”, diz ele. “Sem isso, é um esforço imenso para produzir muito pouco.”

A dúvida é como chegar lá. A exemplo dos demais especialistas ouvidos nesta reportagem, para César não há caminho para o país fora dos investimentos privados. “Há um campo enorme de investimento em várias áreas, assim como recursos”, comenta o professor. “O que ainda não temos é um ambiente institucional, econômico e jurídico atraente ao investimento privado estrangeiro.”

O MAIOR DESAFIO É VIABILIZAR PARCERIAS, DIZ ESPECIALISTA

Com os recursos públicos cada vez mais escassos, o mercado não vê solução para a infraestrutura brasileira além das concessões e parcerias público-privadas, que devem pautar os investimentos nos próximos anos. “Não há como fugir disso”, diz Marcus Quintella, assessor da presidência da FGV Transportes, centro de estudos e pesquisas ligado à Fundação Getulio Vargas (FGV). Segundo ele, todavia, as concessionárias não podem se responsabilizar por todos os investimentos em rodovias no país, até porque existe uma séria limitação de recursos e não há como fazer concessões sem aporte de dinheiro público. “No caso das concessões, não dá para fazer apenas programas BOT (Build-Operate-Transfer), onde se tem de construir, operar e transferir a rodovia”, explica. “Os recursos que serão investidos pela iniciativa privada muitas vezes não serão suficientes e também não haverá tarifas suficientes para retornar esses investimentos.”

Saiba mais:

FGV Transportes: portal.fgv.br/fgv-transportes
Fundação Dom Cabral: www.fdc.org.br
Ministério da Economia: www.economia.gov.br
Ministério da Infraestrutura: www.infraestrutura.gov.br

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